Osvaldinho da Cuíca e a ‘malandragem’ paulista do samba

Por: Kathleen Hoepers
“O samba era discriminado por que era considerado coisa de ralé”, diz Osvaldinho

Na esquina onde eram depositados os sonhos e manifestação do consciente coletivo do cordão Garotos do Tucuruvi, já se fazia presente, desde os preparativos para o Carnaval de 1955, um jovem engraxate vidrado no samba da malandragem da zona norte de São Paulo.

“A primeira coisa que notei no cordão do Garotos foram as cores: preto e branco. Além da paixão pelo batuque eu sou louco pelo Corinthians, aí já viu”, diverte-se Osvaldinho da Cuíca em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.

Foi assim, então, que Osvaldinho, tendo como sua referência os folguedos rurais do interior do Estado, caiu nas graças do mo­de­lo no ­qual se ins­pi­ra­riam as pri­meiras agremiações do sam­ba da cidade: os cordões carnavalescos.

No final da década de 1950, os desfiles pela rua executados com violões, pandeiros, chocalhos e tampinhas de cerveja eram experiências habituais no mundo destes cordões: “Sempre se fazia a batucada na porta de um bar ou uma adega, porque, se o bar estivesse ali, o combustível também estava”, relembra dos espaços de convivência – muitas vezes – improvisados.

A partir de 1958, o bamba passa a se dedicar a confecção de instrumentos percussivos

Nascidos dentro de um propósito de recreação e sociabilidade, os cordões apresentavam uma dinâmica particular de organização: “Não existia quadra. Você ensaiava nas esquinas e, se não tinha autorização, você incomodava a vizinhança e tinha repressão”, relembra o cuiqueiro. “A gente tinha medo de entrar na cadeia por cometer, na época, o que era enquadrado no código penal como ‘vadiagem’. Se você fosse preso por ‘não fazer nada’, mostrava que você não era malandro bom.”

De acordo com o batuqueiro, o processo de oficialização das escolas de samba no Rio de Janeiro, regularizado na década de 1930, repercutiu de maneira negativa no desenvolvimento do samba peculiar produzido em São Paulo, que só regularizaria os desfiles dos cordões para a Avenida São João em 1967 e oficializaria a festa no ano seguinte.

“Em São Paulo, você trabalhava, trabalhava e só na véspera do Carnaval que a gente começava a se reunir em frente a esses bares para ver se saía alguma coisa”, relembra as dificuldades enfrentadas por representantes do samba da capital paulista. “O Seu Inocêncio, do cordão Barra Funda, também era policial e o Pé Rachado, do Vai-Vai, passava semanas viajando, já que trabalhava em uma construtora.”

Desde sua experiência com os cordões, a partir da década de 1950, a percussão – que Osvaldinho viu nascer no interior do Estado e ajudou a divulgar em suas andanças – está muito bem representada pela significativa carreira construída pelo músico nos anos seguintes.