Osvaldinho da Cuíca: dos batuques de Poá às gafieiras do Tucuruvi

Compositor fala sobre os folguedos rurais e os cordões carnavalescos da década de 1950

Por: Kathleen Hoepers
“Antigamente não se gastava dinheiro com Carnaval”, conta Osvaldinho

No mundo do samba paulista há poucas histórias reconhecidamente tão tradicionais quanto a de Osvaldinho da Cuíca. Nascido em 1940, no interior de São Paulo, Osvaldo Barro esteve presente em um tempo da música e cultura brasileira de dar saudade a quem não o viveu.

“Possuo um acúmulo muito grande de informação e é preciso que alguém registre essas histórias”, ressalta Osvaldinho da Cuíca em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.

Oriundo de Poá, Osvaldinho faz um levantamento de aspectos da vida provinciana que levou durante a infância. Ausência de energia elétrica, brincadeiras com vaga-lumes, banhos no riacho, moradia de sapê e a rotina da colheita foram hábitos marcantes na vida deste baluarte. “Era uma vida pobre, mais saudável”, declara.

Para além das brincadeiras de rua com sua irmã, o batuqueiro recorda as atividades festivas que acompanharam o desenvolvimento da sociedade à época, entre elas, o Carnaval. “Era tudo muito folclórico. Os negros vestiam-se com roupa de malha grossa e bege, levando enfeites de penas coloridas na cabeça e na cintura. Uma herança dos Caiapós.”

Os primórdios do carnaval em São Paulo remontam a folguedos carnavalescos próprios da população negra, inspirados em uma manifestação lúdica surgida no período colonial denominada Caiapós.

O auto era realizado, ao longo do século 18 e início do 19, durante procissões coloniais de caráter misto profano-religioso. Por volta de 1910, devido a perseguições de âmbito religioso, esse folguedo – predominantemente negro – começou a desaparecer. No entanto, deixando para trás um legado enquanto manifestação folclórica e influenciando as gerações sucessoras.

Comunicativo e alegre, Osvaldinho concede entrevista exclusiva

Foi certamente essa vivência festiva, repetida anualmente, que permitiu Osvaldinho estreitar os laços afetivos com o batuque. Em 1949, aos nove anos de idade, muda-se para São Paulo e vai morar com uma tia no bairro do Tucuruvi, zona norte da cidade. “Nunca mais esqueci aquela imagem dos folguedos dos Caiapós. O baque dos tambores daquelas pessoas me tocava muito.”

Antes de trabalhar como engraxate aos pés da gafieira Neosônia – episódio que marca o início da carreira profissional – , o compositor conta que costumava vender gibis em feiras de rua, carregar bolsas de mulheres em troca de uma “caixinha”, além de acompanhar a tia, que vendia frutas em frente as Estações Sorocabana e Luz de trem.

“Comecei a engraxar na porta da gafieira e fiz amizade com todos os frequentadores. Era tudo malandragem”, relembra Osvaldinho ao falar do trabalho em frente à casa de dança localizada no Tucuruvi. Em 1955, entre o ofício e as jogatinas de bilhar, o batuqueiro – já com 15 anos de idade – começa a estabelecer seus primeiros contatos com os cordões carnavalescos urbanos.

Em 1958, Osvaldinho da Cuíca compõe seu primeiro samba para o Cordão Garotos do Tucuruvi. Na mesma época, devido a uma indústria nacional ainda com pouca expressão na área dos instrumentos musicais, o bamba passa a se dedicar a confecção de instrumentos percussivos.