Carlinhos Vergueiro: ‘fazer samba é quase como receber um santo’

Compositor celebra 45 anos de carreira rememorando o show 'O Cúmulo do Samba'

Após 30 anos morando no Rio de Janeiro, Carlinhos Vergueiro está de volta à terra da garoa revivendo as narrativas e as memórias musicais de um marco em sua carreira: o espetáculo “O Cúmulo do Samba”. Inspirado na famosa frase atribuída a Vinícius de Moraes, que dizia que São Paulo era o túmulo do samba, “O Cúmulo do Samba”, composição que empresta seu título a um álbum, reúne pérolas de Vergueiro e de seus conterrâneos.

No cultuado disco que conta com direção musical e produção de Douglas Germano, Vergueiro combina canções de parceiros paulistanos como “Torresmo À Milanesa”, com Adoniran Barbosa, “Camisa Molhada”, com Toquinho, e “Alucinação”, com Douglas Germano, com contribuições de cariocas como “Tocaia de Cobra” e “Maria do Socorro”, com Paulo César Pinheiro e João Nogueira, respectivamente.

Para quem teve a sorte de descobrir e apreciar este trabalho à época, precisamente em 1995, é difícil acreditar que ele só tenha reaparecido agora, após um hiato de duas décadas. Lançado sem apoio de uma grande gravadora, nem patrocínios, o álbum “O Cúmulo do Samba” não chegou às paradas de sucessos e nem teve uma grande tiragem, mas consagrou-se como referência do samba da capital paulista.

Ao cantar a cidade de sua paixão, Carlinhos apresenta-se como herdeiro e continuador do melhor da tradição paulistana, que celebra a dualidade entre o ócio e a labuta. Boêmio até o fim, frequentador de rodas de samba nos bares e nos campos de várzea, Vergueiro descarta rivalidade com o samba do Rio: “Esta coisa de Fla-Flu nunca funcionou comigo. Como eu vivi muito nas duas cidades e conheci muita gente do Rio em São Paulo, eu sempre falava que ‘samba é samba'”, conta em entrevista exclusiva ao Samba em Rede.

O “paurioca”, como ele próprio se define, emplacou sucessos como “Camisa Molhada” e “Dia Seguinte”, foi amigo de Adoniran Barbosa, produziu e homenageou artistas do calibre de Geraldo Filme, Nelson Cavaquinho e Paulo Vanzolini. Ainda acompanhou Cartola em turnê pelo país no Projeto Pixinguinha.

Além de compositor, Vergueiro é um apaixonado por futebol. Mais do que um profundo conhecedor do assunto, o “tricolor de coração” – em São Paulo e no Rio – também é bom de bola. Na década de 1980, fundou o Namorados da Noite junto com Fernando Faro, Elifas Andreato, Toquinho e Raul Leite – time de várzea que, segundo diz a lenda, nunca perdeu para seu maior arqui-rival, o Polytheama, de Chico Buarque. Atualmente, participa das peladas às terças-feiras do Madrugada Futebol Clube, time que o “contratou” em São Paulo. “Tenho muito orgulho de ter sido contratado pelo Madrugada nessa etapa da minha carreira onde estou mais sábio”, diverte-se.

Por isso, as histórias de futebol estão sempre presentes em entrevistas que concede e em shows que apresenta. A experiência que adquiriu nos tempos de jogador permitiu a Carlinhos entender o esporte e todas as suas “mumunhas”, além de firmar grandes  parcerias entre uma pelada e outra.

Dono de uma visão eclética, Vergueiro realizou parcerias nas quais gêneros musicais aparentemente estanques se relacionam de maneira criativa. De Adoniran Barbosa a Chico Buarque, o letrista consolida um repertório onde valsas e boleros convivem com sambas e choros. “A grande sorte da minha vida é que eu acabei conhecendo, convivendo e principalmente aprendendo e trabalhando – muitas vezes compondo – com todos esses meus ídolos.”

Trajetória

Nascido em 27 de março de 1952 no bairro da Bela Vista, em São Paulo, Carlinhos cresceu em um ambiente musical e acostumou-se a percorrer as rodas de samba e os campos de várzea, garimpando o melhor da música e do gramado para o seu trabalho.

Músico de formação clássica, iniciou seus estudos de piano aos quatro anos de idade com seu avô, Guilherme Fontainha. Foi dele que o garoto herdou a bagagem musical, que tanto fez parte das memórias colocadas em suas letras e melodias. “Ele era um cara muito legal: convivia com todo o tipo de gente e ouvia todo tipo de música. E eu acho que é por isso que eu sou assim também.”

Embora demonstrasse talento excepcional para o instrumento, Vergueiro dedicou sua vida e obra exclusivamente à música popular. Tocar piano exigiria muita dedicação e, à época, Carlinhos já gostava da boemia e de futebol e estava concluindo os estudos. “Meu avô achava que eu tinha talento para a música clássica. Eu fui influenciado por vários gêneros, mas sempre tive mais afinidade com o samba.”

O artista debutou no cenário musical em 1972 como finalista do Festival Universitário da TV Tupi, do qual participou com o samba “Só o Tempo Dirá”, lançado em compacto simples pela Chantecler no ano seguinte. Ainda em 1973, gravou outro compacto com suas canções “Poeta sem versos” e “Garra”, uma parceria com João Garcia, lançado pela mesma gravadora.

O envolvimento cada vez maior com o gênero rendeu-lhe, entre outras alegrias, a produção de seu primeiro LP. A sua estréia em disco deu-se no ano de 1974, com o LP “Brecha”, graças ao produtor musical Fernando Falcon, que o apresentou à Continental.

Em 1975, depois de arrematar o primeiro lugar no Festival Abertura da TV Globo com a canção “Como um Ladrão”, incluída no repertório de seu segundo LP “Só o Tempo Dirá”, Carlinhos fez sua opção definitiva pela música, tornando-se conhecido do grande público como um compositor promissor da cidade de São Paulo.

Na bagagem, mais de 20 títulos lançados, com destaque para “Na Ponta da Língua” (1980), “Carlinhos Vergueiro e Convidados” (1988) e “Contra-ataque: samba e futebol” (1999) – foi relançado pela Biscoito Fino em 2010; Vergueiro também atuou como intérprete nos discos “Almanaque” (1982), de Chico Buarque, “As Flores em Vida” (1985), de Nelson Cavaquinho, “Chico Buarque da Mangueira” (1988), “Candeia” (1988) e “Estácio e Flamengo: 100 anos de Samba e Amor” (1995), e dos Songbooks de Ary Barroso e de Chico Buarque (1999).

Uma das particularidades da caminhada de Carlinhos é a sua preocupação em aprender e reverenciar os mais velhos. Mesmo tocando sua carreira, não deixou de perceber a importância de homenagear grandes nomes do cancioneiro nacional.

O artista trabalhou como produtor fonográfico, tendo sido responsável pelos LPs “Geraldo Filme” (1980), único registro do baluarte em disco, “As Flores em Vida” (1985), último disco de Nelson Cavaquinho, “A Ópera do Malandro” (1985), de Chico Buarque para o filme de Ruy Guerra, e pelo trabalho que reuniu sambas inéditos do compositor Candeia (1986).

Também homenageou três ídolos nos CDs  “Dá Licença de Contar” (2010), interpretando músicas do amigo e parceiro Adoniran Barbosa, “Nelson Para Sempre” (2011), com participações de Wilson das Neves, Beth Carvalho, Chico e Cristina Buarque e “Paulo Poeta Compositor Cientista Boêmio Vanzolini” (2013), com canções de Paulo Vanzolini, cientista, médico, biólogo, professor, poeta, compositor, boêmio, ouvinte de rádio, observador urbano, exigente apreciador de arte e literatura.

Na entrevista, Vergueiro revela que está em fase de preparação de um novo trabalho só de inéditas, como a canção “Eu Verei“, parceria com a cantora Klébi Nóri. Ainda, em primeira mão, revela que o disco faz parte do projeto “Cigano”, que pretende englobar um documentário sobre sua carreira e seu primeiro DVD.

Autor de uma obra musical tão diversificada e original, marcada pela espontaneidade de suas composições e parcerias de peso, Carlinhos Vergueiro possui grande valia dentro da seara musical brasileira. Passados 65 anos de idade e 45 de carreira, o paulistano sente-se completo e emociona-se a cada nova composição. Diz que, para os desavisados ou distraídos, “fazer um samba, é quase como receber um santo.”

Confira a entrevista na íntegra: